quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Os desafios contemporâneos dos novos Conselheiros Tutelares e dos demais atores defensores dos direitos das crianças.




Por: Davidson Luiz do Nascimento. (*)


As experiências acumuladas e as lutas políticas marcam profundamente nossas vidas.  Pelo Movimento Estudantil (1), fui iniciado na vida pública e na política. Dele trago a importância da participação em nossa formação como ser humano.

Mas enfim, foram nos encontros de formação continuada, nas trocas de ideias e nas “capacitações” sobre o ECA nos municípios, também nas rodas de conversa com os (as) Conselheiros (as) Tutelares por Minas Gerais de onde extraí as melhores reflexões sobre o dia-a-dia da atividade dos (as) Conselheiros (as) Tutelares.

Recordo-me do “causo” do macaco: “O macaco queria assar uma castanha e pediu ajuda ao gato. A chapa que aqueceria a castanha estava fria. O macaco colocou as castanhas na chapa fria. Quando a castanha estava muito quente, no ponto, o macaco pedia a ajuda do gato para retirar a castanha da chapa. E ele (o macaco) comia a castanha. A mão queimada era a do gato.” Como bons mineiros, os (as) Conselheiros (as) sempre alertam-nos sobre o cuidado que devemos ter quando tentam fazer de nós a mão do gato.

Alguns atores da rede de proteção levam até o Conselho apenas as notícias parciais. O que se exige hoje do Conselheiro Tutelar é a capacidade de trabalhar a verdade, discernir os fatos, identificar o real violador dos direitos e aplicar as medidas necessárias.  Essas demandas batem à porta dos Conselhos Tutelares todos os dias.

Na experiência em rede, de forma colegiada e dialógica, tendo como fonte argumentativa as legislações, devem ser construídas as respostas para essas demandas. Entre as mais variadas orientações do Estatuto, são nos artigos 6, 98 e 99, 100, 101, 129, 136 do ECA e 227 da CF/88, os significados e princípios que mais iluminarão as ações e as medidas a serem aplicadas pelos (as) Conselheiros. Edson Seda  alertou-nos sobre esses significados:

[...] as medidas de proteção devem sempre buscar os fins sociais a que se destinam, nos termos do artigo 6º do estatuto. Não devem, portanto, estar cingidas a formalismos processualísticos que obstaculizam as necessidades pedagógicas, pois estas, necessariamente, devem respeitar a condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, que caracteriza a infância e a adolescência [...] (SEDA, 2003).

É fundamental dedicar a atenção adequada na aplicação das medidas de proteção. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal 8069/90, em seus primeiros artigos, deixa claro que todas as demais legislações devem ser consideradas e aplicadas para fazer valer os direitos fundamentais, não se resumindo apenas ao próprio texto do ECA.

Nos desdobramentos sempre estão presentes a atenção às complexidades e particularidades de cada caso. A intenção é atingir os objetivos centrais nos resultados dos atendimentos: sanar as violações protegendo a infância e a juventude. Observam-se nas ações dos (as) Conselheiros (as) os minuciosos cuidados nos encaminhamentos dos casos. Sigilo absoluto. Os valores religiosos do Conselheiro Tutelar não cabem nos atendimentos. O Estado é laico e muito pouco importa os mandamentos de nossas crenças no ato do atendimento.

Tão importante quanto essas ações de atendimento direto às famílias, às crianças e aos adolescentes são as demais atribuições dos (as) Conselheiros (as) Tutelares, principalmente a mencionada no artigo 136, inciso IX “assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente”. Essa talvez seja a atribuição mais elementar do ECA a ser trabalhada pelos novos (as) Conselheiros (as) Tutelares, gestores públicos, instâncias de controle social e legislativos.

O Conselho Tutelar deve auxiliar o poder executivo local na elaboração de políticas públicas. Rose Mary de Carvalho, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, já alertava:

Essa atribuição é extremamente importante, porque ninguém melhor que o Conselho Tutelar para assessor o Poder Executivo local na área relacionada com a criança e o adolescente, pois sendo o representante da comunidade, é ele que sabe das necessidades das crianças e dos adolescentes que vivem em seu seio, devendo propor ao poder local a consecução de recursos necessários e a definição de programas que devem ser priorizados para solucionar os problemas advindos da marginalização da criança e do adolescente no Município” (CARVALHO, 2003).

Na maioria dos municípios mineiros, os (as) Conselheiros (as) Tutelares não são convidados para as audiências públicas que aprovam os PPA, PPAG e LOA. Essas são legislações vinculadas aos planos orçamentários, planejamentos, diretrizes e prioridades financeiras a serem executadas pelo município.  
A princípio, é fundamental constar a complexidade envolvida na construção de orçamentos, além da dificuldade de traduzir a linguagem utilizada nas peças orçamentárias. Há ainda a necessidade de entender os princípios constitucionais a serem respeitados na constituição de  tais leis. A Constituição Federal de 1988 traz os princípios democráticos de que os gestores públicos deveriam cumprir no ritual de constituição de leis, no ritual de aprovação pelo legislativo, até mesmo a importância da sanção ou veto do executivo.

Enfim, não se trata de ações simples. Mas se o envolvimento direto dos (as) Conselheiros (as) Tutelares não estiver na pauta dos poderes, na agenda política do município, esse vazio não será preenchido. Isto causará um atraso temporal de grandes proporções.

A elevação da consciência política, além da participação direta e indireta, está também na elaboração e na fiscalização da oferta de serviços pelas redes que atendam a verdadeira demanda para as crianças e adolescentes no município. Planos inverídicos gerarão desperdícios de recursos públicos, devido às políticas públicas mal formuladas que causarão prejuízos à população e aos municípios.  

Nos questionários respondidos pelos (as) Conselheiros (as) Tutelares, nos anos de 2008 e 2011, perguntamos se “ocorre a consulta a eles (pelos gestores ou pelas autoridades com representações delegadas) no processo de elaboração das peças orçamentárias?”. Em média, 83,45% responderam que não ocorre. Os Conselheiros Tutelares não são consultados quando o Legislativo e o Executivo elaboram planos, programas e políticas públicas para o atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes no município.

GRÁFICO 1

Gráfico produzido a partir de dados das consultas de 2008 e 2011, (serie histórica de consultas em andamento) onde foram ouvidos 820 Conselheiros (as) Tutelares em Minas Gerais, trabalho de consulta realizada sob a coordenação do pesquisador Davidson Luiz do Nascimento. (3)

Infere-se, a princípio, que na definição das prioridades pode haver um descumprimento do art. 136, inciso IX. Assim não se saberá se o respeito ao princípio da “prioridade absoluta” para crianças e adolescentes é atendido. O ritual de construção dessas peças orçamentárias corre a revelia pelos gestores públicos que as formulam e o legislativo que as aprovam.

Mas como os atores devem se comportar diante dessa realidade? Como resposta a esta pergunta  deve haver nos municípios uma interlocução qualitativa dos gestores e dos legislativos municipais diretamente com os Conselhos Tutelares. Ainda, a instrumentalização dos equipamentos públicos com tecnologias avançadas, por exemplo, a oferta regular de internet para que seja instalado o SIPIA (Sistema de Informação para a Infância e Adolescência).

Tal software qualifica e quantifica os dados dos atendimentos nos Conselhos Tutelares, gera relatórios simultâneos por bairros, regionais e por localidades específicas; com apontamentos dos tipos de violações mais comuns; onde há a ausência de redes de proteção, redes de defesa e de atendimento; onde há registros mais frequentes de determinados casos, entre outras informações relevantes.

Como uma política sólida, de continuidade, é fundamental garantir remuneração para os Conselheiros Tutelares justa. O ideal seria uma remuneração,  semelhante ao salário dos parlamentares municipais, como forma de garantir que esse profissional não tenha que deixar a profissão de Conselheiro Tutelar devido aos baixos salários.

Mas a percepção é da enorme dificuldade na adequação da infraestrutura dos Conselhos Tutelares, e de fundo, na aceitação da troca e publicização de dados entre as três esferas de poderes, ausência de transversalidade (dada às disputas partidárias e de vaidades do primeiro escalão) no plano intragoverno.

Outros instrumentos tecnológicos, se bem utilizados, revelarão a realidade das redes de proteção, de promoção e de atendimento aos direitos e às violações de direitos das crianças e dos adolescentes nos municípios.

É sabido que gestores das esferas federal, estadual e municipal estão se esforçando na consolidação do SIPIA nas cidades. Mas a universalização deste sistema de informação é uma realidade ainda distante a ser alcançada.

A falta de informação (e do SIPIA) não se configura como objeto para o descumprimento do ECA, em especial do artigo 136 - inciso IX. Outras maneiras de obter dados sobre os atendimentos diários no Conselho Tutelar devem ser utilizadas pelos Conselheiros, mensalmente, como forma de garantir dados quantitativos e qualitativos capazes de subsidiar as decisões, sejam elas dos gestores, legisladores, judiciário ou demais autoridades locais.   

O gráfico abaixo revela que, em 2008 e 2009, entre os 820 Conselheiros (as) consultados, em média 60% dos casos atendidos são encaminhados aos gestores municipais e ao CMDCA. Relatórios diários, semanais, mensais e semestrais são emitidos às prefeituras e às instâncias de controle social. Ainda havia que as cidades não possuíam o SIPIA.

GRÁFICO 2

Gráfico produzido a partir de dados das consultas de 2008 e 2011, (serie histórica de consultas em andamento) onde foram ouvidos 820 Conselheiros (as) Tutelares em Minas Gerais, trabalho de consulta realizada sob a coordenação do pesquisador Davidson Luiz do Nascimento. (3)

Os dados revelam também que em média 40 % dos casos atendidos nos Conselhos Tutelares não são do conhecimento das prefeituras e dos CMDCAs. Pode-se inferir, a princípio, que não há uma comunicação direta dos gestores municipais com os (as) Conselheiros Tutelares, nestas ocorrências.

Uma pergunta deve ser feita: “é dada a devida importância a essas informações ao ponto delas aparecem nas propostas orçamentárias e nos planejamentos estratégicos de ação governamental nos municípios, nos Governos Estaduais e Federal”? A realidade tem demonstrado que nos municípios nem sempre há planejamentos estratégicos, muito menos uma política de elaboração do “Orçamento Criança”. 

Se prefeito fosse, eu estimularia este tratamento qualitativo e quantitativo dos atendimentos aos direitos das crianças e dos adolescentes, o apontamento das demandas e a ausência de determinados serviços, uma vez que esses dados poderão subsidiar os Prefeitos na elaboração e captação de recursos financeiros e materiais junto aos Fundos, Empresas e aos demais níveis de governos, ajudando-os a se tornarem cidades de referência no atendimento às crianças e aos adolescentes.

A nova geração de Conselheiros e Conselheiras Tutelares deve estar atenta e ser mais pró-ativos. Apresentar projetos de captação de recursos aos Fundos da Infância, Fundos da Assistência Social, Fundo da Cultura, Fundos da Juventude. Ainda sensibilizar as empresas para fortalecer os Fundos de Incentivo, demonstrar as vantagens da dedução de sua doação no Imposto de Renda.

Por fim, os Conselheiros Tutelares dessa nova geração, não podem perder de vista a necessidade de uma comunicação ativa com a comunidade, explicando pedagogicamente o poder e a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente e as formas que a comunidade pode fazer para auxiliar no trabalho das Instituições Públicas e Privadas que atuam no município e na região.  

Avancemos com inteligência e ancorados em nossas atribuições como Conselheiros Tutelares, claramente fundamentados pelo artigo 136, inciso: IX do Estatuto da Criança e do Adolescente. Diplomacia e diálogo. O lema do Conselheiro Tutelar contemporâneo dever ser a ocupação da agenda pública do governo em cada cidade. Construir unidade de ação com o objetivo de pautar a agenda política e o cumprimento das decisões legais trazidas pela Constituição Federal de 1988. Lembrando sempre da importância do pleno atendimento, com prioridade absoluta, das crianças e dos adolescentes em nossos municípios.



Referências:  

(*) Davidson Luiz do Nascimento. Presidente da ACONTEMG (Associação dos Conselheiros e ex- Conselheiros Tutelares de Minas Gerais). Pedagogo.  Graduando em Ciências do Estado (UFMG). Conselheiro Tutelar em BH/MG (2004/2009) - Pós-graduando em Gestão Pública (UFV). Educador Social da Escola da Cidadania da Fundação de Ensino de Contagem (FUNEC). Email: nascimento.davidson@gmail.com

CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - 6ª edição, Coordenador Munir Cury, Ed. Malheiros editores- 2003- SP. Página 319 - citação Edson Seda e pág. 460 citação Rose Mary de Carvalho.
1- NASCIMENTO. Davidson Luiz do, Memória do Movimento Estudantil: UMES-BH 1998. publicado no site www.acontemg.blogspot.com.

2Legislações consultadas:
·                     Lei Federal: 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA);
·                     Lei Federal: 9495/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN);
·                     Constituição Federal da República Federativa do Brasil;
·                     Lei Orgânica da Assistência Social (sistema e normas) - LOAS e SUAS

3- Gráficos produzidos a partir de dados coletados das consultas de 2008 e 2011, onde foram ouvidos 820 Conselheiros (as) Tutelares em Minas Gerais, mediante a aplicação de questionários enviados por correspondências, como parte da serie histórica de quatro consultas em andamento (2008, 2011, 2012 e 2015),  trabalho de consulta e sistematização sendo realizado sob a coordenação do pesquisador Davidson Luiz do Nascimento.


Agende a Capacitação dos Conselheiros Tutelares de sua cidade.

 

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