Em Belo Horizonte sempre houve a
organização estudantil. Essa cidade tranquila é um dos maiores polos de
concentração de estudantes de Minas Gerais. Eles se organizaram historicamente,
de forma clandestina ou aberta, nos Centros Cívicos, círculos católicos, Grêmios
Estudantis, Diretórios Acadêmicos (Das), Centros Acadêmicos (CAs), Diretórios
Centrais de Estudantes (DCEs), associações atléticas, grupos de jovens das igrejas
e centros de cultos religiosos.
A União Municipal dos Estudantes Secundaristas
(UMES-BH) sempre foi uma escola de militância política estudantil. Várias
gerações passaram por essa entidade e novos espaços sociais e simbólicos foram
construídos a partir de sua experiência.
Cabe ressaltar a importante marca
deixada pela geração de 1998, formada por estudantes de escolas públicas e
privadas. Eles aceitaram o desafio de reconstruir a UMES-BH. Lembro-me como se
fosse hoje o dia em que fui eleito presidente da entidade. Lutávamos todos,
motivados por bandeiras progressistas como o passe estudantil no sistema de transporte
público municipal e por melhorias na qualidade do ensino público. A geração de
1998 protagonizou, com ousadia e altivez, as bandeiras de lutas mais
importantes daquele período. São exemplos: o apoio na construção do Conselho
Municipal de Educação, a defesa da educação infantil, a escola pública gratuita
e de qualidade para todos e a oposição ao avanço da política neoliberal.
Como parte desse empreendimento
coletivo e solidário, realizamos o congresso de reestruturação da UMES-BH no
dia 28 de março de 1998, no Colégio Municipal São Cristóvão, na regional
noroeste da capital mineira. Participaram mais de 600 delegados e delegadas,
eleitos em mais de 120 escolas públicas e privadas de todas as regiões da
cidade. O homenageado do congresso foi Edson Luiz, estudante morto no
Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, no dia 28 de março de 1968 por militares.
A morte do garoto esteve relacionada com as principais motivações ad “Passeata
dos 100 mil”, realizada em 28 de junho daquele ano. E o dia do congresso de
reconstrução da UMES-BH não foi escolhido por acaso. Para nós, organizadores,
seria um dia especial para se recordar o lamentável assassinato. Para tanto, esteve
presente a mãe do estudante Edson Luiz, a Sra. Maria Belém de Souto Rocha.
Para o o Congresso de
Reconstrução da UMES-BH, contamos com a presença do então Prefeito de Belo
Horizonte, Célio de Castro. Estávamos todos muito ansiosos. Sentíamos depositada
sobre nós uma carga de esperança por “dias melhores no Movimento Estudantil”.
Boa parte dos envolvidos no processo eram quadros orgânicos do PCdoB, como: Gaby Clauss, Wilson de Souza, Kerison Lopes, Aldany Resende, Kátia Nunes, Michele Fraga, Alcino,
Adriana Santos, Júlio do Alto Vera Cruz e outras dezenas de colaboradores.
Uma nova geração de líderes
estudantis estava ali reunida, tais como: Diogo Pulião (Delegado do Colégio
Sistema); Carolina França, Adriana, Verônica Pimenta, Cynthia Siqueira e Tadeu (Colégio
Tiradentes da Polícia Militar de Minas Gerais; a estudante Carolina e Fernanda
(Escola Municipal Arthur Versiani Velloso); Alysson, Kerone, Adriano e Bruno
Coelho (Escola Sagrada Família); Farley Bertolino, Clarissa Fazito (Colégio
Arnaldo); Maíra, Alessandra, Bernardo, Eduardo, Daniel, Cachoeira e Alemão (Escola Municipal Paulo Mendes Campos);
Rodrigo Arcanjo, Ismael Alves, Daniel Stone, Fula, Roberta Candido, Jeniffer e Eduardo (Escola Municipal
Profa. Maria Mazarello); Luiz Flávio, Elizangela (Tuluca), Geisemara, Gleuber e
Adimilson (Escolas da Regional Barreiro); Betão (Cursinho privado no centro da
cidade); Aline da Escola Marconi; Sapão, Luana e Flavio Abreu (escolas da Regional
Leste); estudantes como Ana Moraes, Vanderley Penaforte, Bruno, Ozzi, Fabrício
e suas irmãs estudantes (Regional Oeste); Bruna, Bernardo, Edini, Jackson, Everson
(Robô), Darcy, Geisa e Cristina Gruppionni (Venda Nova e Norte da capital); Hugo
(Colégio Magnum), Carol e Pabline (IEMG), Davidson Luiz do Nascimento (IMACO); João,
Eugênio e Rômulo (Regional Noroeste); Tiago Franco (Coltec); Rafael Calado e outros estudantes da Escola
Ordem e Progresso; a estudante mascote Luciana do bairro São Gabriel da Regional
Nordeste; as estudantes Cintia e Bárbara, Herivelton, Byron O’neill e Pedro
Pinga, Leonardo e Gladstony. Tiago Franco do Coltec. Cris Gruppioni. Boa parte desses citados até aqui eram simpatizantes
ou filiados à União da Juventude Socialista (UJS) ou ao Partido Comunista do
Brasil (PC do B). (1)
Entre as correntes estudantis, também
havia os anarquistas e os integrantes de forças independentes e/ou de outras
tendências ideológicas. Alguns deles também (re)conhecidos dentro do grupo como
estudantes de vanguarda, como o estudante Ricardo Targino, do Colégio Estadual Central, então filiado ao PSTU,
bem como o estudante Ricardinho, do CEFET, vinculado à Liga Operária Camponesa.
Havia também o Fabinho e a Rosângela, vinculados à corrente Articulação, do
Partido dos Trabalhadores (PT), além do Nilo, estudante de Venda Nova vinculado
ao Partido da Mobilização Democrática Nacional (PMDB). Em menor quantidade,
havia ainda estudantes vinculados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Enfim, a reconstrução da UMES-BH
contou com uma gama ampla de correntes da cultura política. Todos, vinculados
ou sem qualquer vinculação (independentes) partidária ou a movimento social
organizado, protagonizaram a saga de uma geração, o desenvolvimento de uma consciência
política acima da média, já que doaram seu tempo para a luta por um Brasil mais
avançado.
No dia 28 de março de 1998, depois
de calorosos debates envolvendo diversas leituras da realidade política do mundo
e do País, de Minas Gerais e de Belo Horizonte mencionadas nas teses, os
delegados e delegadas participaram de votações. Aprovamos as bandeiras de lutas
a serem conduzidas pela gestão da UMES-BH 1998/1999. Os principais destaques
giraram em torno de uma campanha permanente para a construção e o fortalecimento
de Grêmios Estudantis; a luta pelo “passe estudantil”, o movimento “Fora FHC” e
a luta “contra a intervenção do FMI na política brasileira”. A bandeira que
unificou a todas as vertentes políticas ali presentes foi a defesa de uma
educação pública, gratuita, de qualidade e para todos.
Os congressistas elegeram como
presidente da UMES-BH, para a condução destas bandeiras, o estudante Davidson
Luiz do Nascimento do IMACO, conhecido como “Tanquinho”. O Congresso o marco para grandes transformações
simbólicas e comportamentais nas vidas desses jovens atores. Encontravam-se
singularmente motivados e ávidos por mudanças políticas na cidade, no estado e
no País. Posteriormente, realizariam viagens inéditas. Organizariam festas e
construiriam espaços permanentes para a trocas de ideias. Entregaram-se
plenamente uns aos outros e tornaram-se cúmplices de uma história de respeito
entre si. Namoros e vidas em comum foram geminadas no contexto dessas
interações, num período marcadamente histórico, numa arena para além de individualidades.
Ficou claro naquele dia que o
potencial dessa juventude estaria à disposição, para a organização coletiva dos
estudantes, assim como as lutas eméritas que estavam por vir. E assim foi o
feito: formação política intensiva. Experiências organizativas, noções de
espaço, regionalização da UMES-BH, com diretorias por regionais, e muito
trabalho para conscientização do tempo histórico e da singularidade do momento
vivido. Instrumentos conscientes de táticas e de uma estratégia clara, ancorada
no acúmulo nacional de forças. Efetivação prática das lutas como meio para a
revelação cotidiana do esgotamento da política neoliberal então em curso no
Brasil.
A história do movimento estudantil
secundarista da capital mineira naquele período foi marcada pela inteligência e
pela ocupação combativa de espaços públicos. Foi um período de intensa
mobilização social, dado o avanço de medidas políticas fincadas no Estado
mínimo, as privatizações e o enfraquecimento da educação pública pelas mãos do
então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Foram incontáveis as passeatas
estudantis que participamos pelo “meio passe”, em defesa da educação pública e
gratuita e pelo “fora FHC”. O objetivo
era claro: denunciar os maus feitos do Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB) e de seus aliados à frente do poder executivo no país. Em nossa
avaliação, o destaque às mazelas causadas por essa política era uma forma de expor
a imagem dos governantes conservadores e neoliberais, além de conter as
tentativas de retiradas dos direitos dos estudantes e trabalhadores.
Durante toda a gestão, a
diretoria da UMES-BH manteve-se mobilizada contra todos os tipos de
arbitrariedades e de políticas hostis contra o povo realizadas pelos tucanos
Eduardo Azeredo, FHC e de seus aliados. Os fóruns e assembleias declaravam
esses políticos como representantes das classes economicamente privilegiadas,
vinculados ao capital financeiro internacional, algozes daquele (e do presente)
tempo. A diretoria da UMES-BH liderou grandes mobilizações estudantis a favor
da moratória de Minas Gerais. Organizou ainda atos públicos variados contra a
política econômica do Estado mínimo, implementada pelo governo federal. E
denunciou a matriz de pensamento dessa política ancorada nas diretrizes do
consenso de Washington.
A diretoria da UMES-BH também
fortaleceu passeatas no interior de Minas e em outros estados. Um deles foi protesto
em frente à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, ato público realizado em
conjunto por forças progressistas nacionais contra as privatizações de empresas
estatais, em julho de 1998. Em 1999, a UMES-BH também organizou ônibus
especiais para o histórico ato público de 21 de abril em Ouro Preto. Mais do
que um comemoração da Inconfidência Mineira organizada pelo poder oficial, o
evento foi considerado também um ato paralelo contra a retenção de recursos do
Estado de Minas Gerais pelo Governo Federal. Ainda colaboramos ativamente com a organização do
Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em junho de 1999, no Ginásio
do Mineirinho. O evento teve a célebre presença do então presidente cubano, Fidel
Castro.
A garra e a capacidade dos jovens
estudantes também foram demonstradas na solidariedade aos movimentos sociais,
perseguidos pelos governos tucanos. A ação conjunta com trabalhadores foi para
lutar contra o corte de conquistas: contra a concentração de recursos na União
para garantir superávit primário as setores econômicos que obtinham seu lucro
dos juros das dívidas públicas; contra a flexibilização dos direitos
trabalhistas; a terceirização de serviços e das opiniões de FHC sobre o direito
à aposentadoria; contra os ataques a empregados e funcionários públicos através de diversas
medidas provisórias editadas no período.
Era clarividente que o Brasil
estava governado sob a influência do Fundo Monetário Internacional (FMI), com o
apoio do Banco Mundial.
Essa geração foi forjada no
caminho do acúmulo político. As gerações abolicionistas, estudantis,
camponesas, religiosas e trabalhadoras deram e dão até hoje as suas
contribuições resistindo a cada período da história do Brasil desde a
colonização. Essa combativa diretoria da UMES-BH Gestão 1998/1999, fruto de uma
longa história de resistência, contribuiu efetivamente na garantia de que, em
Belo Horizonte, os estudantes contribuiriam para a derrota da política
conservadora e neoliberal conduzida por FHC. Os jovens tinham a consciência de que
não era óbvio e nem fácil organizar a resistência. Fizeram do enfrentamento uma
poderosa articulação contra a dilapidação do patrimônio público.
Também com irreverência, a
geração de 1998 enfrentou o monopólio da formação da opinião pública. Denunciou o processo em que a burguesia
nacional, fraca, abria mão de seu capital produtivo para se integrar ao capital
especulativo, terreno arenoso e instável.
A direção da UMES-BH denunciou as
sequelas dessa política. A pobreza estrutural e a falta de acesso aos bens e
serviços, frutos da ação tucana no Brasil, sangraram o País para pagar juros de
mais de 25% ao setor rentista. A UMES-BH também denunciou a situação das periferias
da cidade onde a juventude, sob a falta de perspectivas, tornava-se parte de
uma enorme população carcerária e uma parcela significativa era assassinada. Denunciamos
ainda as taxas de desemprego acima de 18% da População Economicamente Ativa,
além do módico crescimento do Produto Interno Bruto.
Essa direção da UMES-BH soube
traduzir aos seus representados (estudantes), que a máquina pública estava sendo
sucateada, a ponto de faltar de tudo para o funcionamento dos órgãos públicos federais.
E como exemplo disso, a falta de pessoal e de recursos mínimos para o
funcionamento das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). E não era
porque o Congresso Nacional não aprovava o orçamento como hoje, mas sim porque
a lógica era a do Estado mínimo: quanto piores as empresas e autarquias
estatais estivessem, mais aceitáveis pela população seriam as justificativas
privatistas, ancoradas nas falácias de empresas “deficitárias e ineficientes”.
Nos eventos públicos, os
diretores sempre denunciavam o sucateamento das políticas sociais por FHC, e o
consolo “artificial” das políticas de assistência social e estudantil fragmentadas
e clientelistas, aplicadas claramente para conter os ânimos da “massa” falida dessa
empresa chamada Estado mínimo e que levou a população brasileira à penumbra.
E a diretoria da UMES-BH manteve-se
firme. Construiu mais de 80 grêmios e comissões pró-grêmios nas escolas.
Identificou mais de 70 mil estudantes do Ciclo Básico e do Ensino Médio de
educação através do acesso à Carteira de Estudante da União Brasileira dos
Estudantes Secundaristas (UBES). A UMES estruturou uma sede no centro de Belo
Horizonte, na Avenida Afonso Pena. O local tornou-se um ponto de encontro para
os estudantes, com internet, TV a cabo e computadores disponibilizados para a
realização de pesquisas e trabalhos escolares.
Por fim, a marca maior desse
breve e intenso período do ME em Belo Horizonte esteve no entendimento de que cada
geração de jovens pode garantir à sociedade uma contribuição, no seu tempo, sem
necessariamente “copiar” o Movimento Estudantil do passado, reinventando-se com
espontaneidade, organização, dedicação, ousadia e amor à sociedade.
A geração UMES-BH 1998/1999 soube preservar o
mais importante: o carinho para com as gerações antecessoras. Esses estudantes
vieram a tornar-se, em sua maioria, profissionais diferenciados, responsáveis
gestores públicos engajados na luta por um mundo mais justo e humano. Essas foram
breves memórias de algo que a sociedade belo horizontina pôde orgulhar-se. Os jovens protagonistas dessa
história foram - e são - pessoas felizes, dedicadas às suas famílias e
à preservação da consciência coletiva.
(*) Davidson Luiz do Nascimento.
Pedagogo. Gestor III da Prefeitura Municipal de Contagem. Graduando em Ciências
do Estado (UFMG). Pós-graduando em Gestão Pública (UFV). Presidente Associação
dos Conselheiros e ex- Conselheiros Tutelares de Minas Gerais da (Acontemg).
Educador Social da Escola da Cidadania da Fundação de Ensino de Contagem (FUNEC),
Presidente da UMES-BH- Gestão 1998-1999.
Obs: (1): Vários outros nomes de líderes estudantis desse
período não foram citados em função do pouco espaço no artigo.